O segmento de mineração subterrânea requer grande robustez e desempenho dos seus equipamentos. Caçambas para carregamento de rachão da primeira etapa de explosão necessitam de projetos bem definidos e processos de produção condizentes para tal. Com base nisso, as principais matérias-primas usadas em sua confecção são os aços de alta resistência e baixa liga (ARBL), em especial o Quend 700. Aços ARBL apresentam valor para tensão de escoamento acima dos 275 MPa, o que é possível pela adição de elementos de liga em sua microestrutura, combinada com tratamentos térmicos (2). Entretanto, ao usar esses aços, os fabricantes têm que dedicar maior atenção à soldagem. Para isso, empresas que fabricam equipamentos desse tipo devem implementar modelos de produção que sejam capazes de garantir a confiabilidade e a repetibilidade de seus processos, a fim de otimizar seus resultados, aumentando, assim, sua competitividade no mercado (6). Alguns trabalhos realizados nessa área consistiram na avaliação da influência das variáveis corrente, tensão, velocidade de soldagem, abertura da face de raiz, ângulo de chanfro e ângulo de inclinação da tocha na soldagem unilateral mecanizada FCAW, visando avaliar a viabilidade do processo (1). Para tanto, foi usado arame AWS A5.20 -79 E71T-1 com diâmetro de 1,2 mm, em juntas de topo e chanfro do tipo “V” em chapas de aço ASTM A-36, com proteção gasosa de CO2 puro e com backing cerâmico. Foram analisadas a altura e a largura do reforço da raiz. Para garantir um processo otimizado e robusto, a junta a ser soldada deve ter uma especificação de soldagem (EPS) condizente com os materiais usados e com sua aplicação. É necessário compreender todas as variáveis do processo e adequá-las da melhor forma.

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento e a otimização do processo de soldagem MIG/MAG do passe de raiz com modo de transferência tipo goticular axial projetado em juntas de topo confeccionadas em chapas de aço ARBL estrutural do tipo Quend 700. Para isso, foi usado o método da superfície de resposta (MSR) a partir de um delineamento de experimentos Box-Behnken.

 

Materiais e métodos

O metal de base usado foi o aço ARBL estrutural Quend 700, o qual apresenta a seguinte composição química para a espessura de 10 mm: C – 0,145%; Si – 0,29%; Mn – 1,182%; P – 0,013%; S – 0,002%; Cr – 0,491%; Ni – 0.013%; Mo – 0,003%; V – 0,003%; Ti – 0,018%; Cu – 0,02%; Al – 0,032%; Nb – 0,013%; B – 0,0018%; N – 0,0035%. Como metal de adição foi usado o arame maciço ER70S-6, cuja composição química é: C – 0,06%; Si – 0,8%; Mn – 1,4%; S – 0,035%; P – 0,025%; Cu – 0,050%. O gás de proteção usado foi a mistura 85% Ar + 15% CO2.

Para a soldagem dos corpos de prova usou-se uma fonte microprocessada DigiPlus A7, a qual foi programada no modo MIG/MAG convencional, visando obter a modalidade de transferência spray. Foi usado o dispositivo automatizado Tartílope V2F para a movimentação da tocha. Os sinais de corrente e tensão de soldagem foram obtidos pelo sistema de aquisição de dados portátil (SAP) com taxa de aquisição de 5 kHz.

As juntas foram compostas de duas chapas de 300 mm de comprimento, 100 mm de largura e 12 mm de espessura. Para a preparação delas, usou-se uma biseladora portátil para a confecção de chanfros com ângulo de 60°. Foi construído um gabarito para a soldagem dos corpos de prova, o qual foi montado na bancada experimental (figura 1). A movimentação da tocha foi feita de modo linear (sem oscilação/tecimento).

Fig. 1 – Bancada de experimentos. Fonte: os autores

 

O delineamento de experimentos (DOE) usado para o estudo da influência dos parâmetros controláveis sobre as características da solda foi o Box-Behnken. O reforço de raiz foi a característica da solda selecionada como saída a ser estudada. Testes prévios foram feitos para a definição dos parâmetros fixos e dos parâmetros contro - láveis a serem estudados, assim como para o estabelecimento dos níveis de parâmetros controláveis. Assim, visando obter um passe de raíz com transferência do tipo goticular projetada, penetração total e reforço de raiz, a tensão (U) foi fixada em 33 V e a velocidade de arame (VA) o foi em 8,5 m/min, enquanto os parâmetros controláveis escolhidos foram: velocidade de soldagem (Vs), distância do bico de contato à peça (DBCP) e ângulo de deslocamento da tocha (AD).

A tabela 1 mostra os parâmetros controláveis e seus respectivos níveis. Já a tabela 2 mostra as rodadas do delineamento de expe rimentos, as quais fo ram geradas pelo sof tware MiniTab. Para cada linha da tabela 2 foram confeccionadas três amostras soldadas. A partir do delineamento de experimentos selecionado foi possível obter uma equação de regressão, a qual relaciona o reforço de raiz (saída selecionada) a todos os parâmetros controláveis. Após a realização das soldagens previstas nas rodadas do DOE, foram capturadas imagens macrográficas com uma câmera fotográfica, sendo essas imagens usadas para a medição dos valores do reforço de raiz dos cordões de solda, o que, por sua vez, foi feito pelo software ImageJ.

Com as medições do reforço de raiz obtidas a partir do DOE, foi usada a função “Otimizar” do software MiniTab, a qual permite, por meio de cálculos estatísticos baseados na equação de regressão obtida a partir do delineamento Box-Behnken, obter-se valores “ótimos” para as variáveis em questão, buscando-se o valor alvo desejado do reforço de raiz, o qual foi definido como 2 mm. Optou-se também por fixar o maior valor para a Vs, visando obter a maior produtividade possível, enquanto os valores de AD e DBCP permaneceram livres, conforme mostra a tabela 3. Com esses parâmetros de soldagem foram confeccionados três novos cordões de solda.

Sequencialmente, os corpos de prova foram cortados transversal mente, sendo extraídas amostras de cada cordão de solda para a realização de análises macrográfica, micrográfica e de microdureza. Posteriormente, foi feito o embutimento de cada amostra e a preparação segundo a norma ASTM E3-11, para posterior ataque químico com reagente Nital. A medição do reforço de raiz foi realizada da mesma forma para os corpos de prova da etapa de otimização. O perfil de microdureza Vickers foi obtido usando uma carga de 9,08 N, sendo as indentações realizadas a partir da divisão das regiões da junta soldada conforme segue: zona fundida (ZF), região de granulação grosseira da ZTA (GG), região de granulação fina da ZTA (GF), região intercrítica da ZTA (IC), região subcrítica da ZTA (SC) e metal de base (MB).

 

Resultados e discussões

A tabela 4 mostra os resultados dos valores médios para o reforço de raiz de cada uma das quinze rodadas do delineamento de experimentos do tipo Box-Behnken. Os valores negativos mostrados na tabela 4 indicam que não houve reforço de raiz na junta em questão.

A figura 2 mostra o corpo de prova 1 da rodada 2, no qual não houve reforço de raiz. A partir dos dados da tabela 4 foi possível gerar gráficos de superfície de resposta.

Fig. 2 – Corpo de prova 01, rodada 02. Fonte: os autores.


A figura 3 mostra o gráfico de superfície de resposta que relaciona os parâmetros DBCP e Vs com o reforço de raiz, a partir de um ângulo de deslocamento de 0°. Observa-se que a aplicação de menores valores de DBCP resulta em maiores valores de reforço de raiz. Isso é mais evidente para maiores valores de Vs, e menos evidente para Vs = 40 cm/min. Além disso, o experimento Box-Behnken demonstra que não há variação significativa no reforço de raiz para valores extremos de Vs (40 e 60 cm/min), quando a DBCP é 17 mm. Esse efeito se dá devido ao fato de que, para menores valores de DBCP, o comprimento livre do eletrodo (stick out) é menor – considerando que não há variação do comprimento do arco – e, consequentemente, o arame sofre menos efeito Joule (menor resistência oferecida por ele). Assim, a corrente elétrica imposta pela fonte precisa aumentar para que a taxa de fusão continue a mesma (isso porque a velocidade do arame permanece constante) fazendo com que a poça de soldagem obtenha valores maiores de temperatura, o que tende a proporcionar maior penetração (4).

Fig. 3 – Superfície de resposta com ângulo de deslocamento de 0°. Fonte: os autores.

 

A figura 4 mostra o gráfico de superfície de resposta que relaciona os parâmetros DBCP e Vs com o reforço de raiz, a partir de um ângulo de deslocamento de 15°. Pode-se observar que o aumento do reforço de raiz de acordo com a diminuição da DBCP não é tão pronunciado para altos valores de Vs, como acontece no caso de ângulo de deslocamento de 0°. Todavia, para o ângulo de deslocamento de 15°, pode-se perceber um aumento do reforço de raiz de acordo com o aumento da DBCP, nos níveis inferiores de Vs.

Fig. 4 – Superfície de resposta com ângulo de deslocamento de 15°. Fonte: os autores

 

Na figura 5 está o gráfico de superfície de resposta que relaciona os parâmetros DBCP e Vs com o reforço de raiz, a partir de um ângulo de deslocamento de 30°. A aplicação de valores maiores de DBCP resulta em valores maiores de reforço de raiz, para quaisquer velocidades de soldagem. Também é possível perceber a influência linear da velocidade de soldagem sobre o reforço de raiz, não sendo obtido valor positivo do reforço de raiz para nenhuma combinação de parâmetros na qual Vs é igual a 60 cm/min.

Fig. 5 – Superfície de resposta com ângulo de deslocamento de 30°. Fonte: os autores.

 

Analisando as figuras 3, 4 e 5, é possível perceber que, para os ângulos de 15º e 30º, no geral houve uma redução dos valores do reforço de raiz. Isso pode ser explicado pela ocorrência do fluxo de metal líquido, que ocorre na poça de fusão devido à convecção (3), ou seja, levanta-se a hipótese de que o uso de ângulos crescentes altera a posição da poça de fusão em relação à raiz da junta (deslocamento para cima), o que tende à redução da penetração.

Adicionalmente, nota-se uma variação do reforço de raiz para diferentes valores de Vs, devido ao tipo de transferência de metal. De acordo com a literatura, na transferência de metal goticular projetada, as gotas metálicas são impulsionadas para a poça de fusão na direção do eixo do arame, produzindo um momento mecânico sobre a junta e/ou a poça (5). Porém, para altos valores de Vs, a gota é depositada diretamente no metal de base, fazendo com que seu momento mecânico não tenha influência significativa na penetração do cordão. Para valores de Vs adequados, supõe- -se que a influência do fluxo de metal líquido – o qual favorece uma maior penetração – é mais significativa, levando ao aumento do reforço de raiz, o que é evidenciado na figura 5. Abaixo, à direita, é mostrada a equação de regressão para o reforço de raiz obtida pelo software MiniTab.

Onde: RR = Reforço de raiz; Vs = Velocidade de soldagem; AD = Ângulo de deslocamento da tocha; e DBCP = Distância do bico de contato à peça.

Os valores dos parâmetros de soldagem obtidos a partir da otimização es tão na tabela 5. Conforme era esperado, os valores obtidos para AD e DBCP são coerentes com os resultados das rodadas do DOE. Os resultados obtidos para reforço de raiz a partir da otimização são mostrados na tabela 6. Isso mostra que foi possível chegar, de fato, a uma adequada interação entre os fenômenos anteriormente mencionados, a partir da combinação de altos valores de Vs, baixos valores de DBCP e ângulo de deslocamento próximo de 0°, o que culminou na obtenção de reforço de raiz e produtividade satisfatórios. A figura 6 mostra o perfil de dureza da junta obtida após a etapa de otimização.

Fig. 6 – Dureza (HV) x subzonas da ZAC. Fonte: os autores.

 

Imagens macroscópicas (com aumento de 1 vez) e micros - cópicas (com aumento de 500 vezes) da seção transversal dos cordões de solda obtidos após a otimização são mostradas na figura 7. Percebe-se um adequado preenchimento da junta soldada, com adequado reforço de raiz, adequada fusão e sem a presença de descontinuidades como poros, mordeduras, trincas, desalinhamentos, falta de penetração e garganta insuficiente. É possível perceber também, nas figuras 6 e 7, que na região subcrítica houve o revenimento do material de base. Esta região é composta por uma microestrutura predominante de bainita, o que corrobora para os valores baixos de microdureza nesta região quando comparados com as demais regiões da zona afetada pelo calor (ZAC). Pode-se afirmar que este tratamento térmico foi o responsável pela diminuição de dureza nas amostras, conforme é tratado na literatura (Modenesi; Marques; Santos, 2012).

Fig. 7 – Macrografia e micrografias de um dos cordões de solda “otimizados”: a) ZF, b) GG, c) GF, d) SC, e) IC e f) MB. Fonte: os autores.

 

Conclusão

O trabalho atingiu os objetivos propostos. Foi demonstrada a possibilidade de realizar-se o passe de raiz usando a transferência goticular projetada sem a necessidade de utilizar um backing cerâmico.

RR = 37, 7 − 0, 874 × Vs − 0, 244 × AD − 1, 134 × DBCP + 0, 01132 × Vs2 + 0, 00529 × AD2 + 0, 0435 × DBCP2 − 0, 00531 × Vs × AD − 0, 01649 × Vs × DBCP + 0, 01484 × AD × DBCP

(Equação de regressão para reforço de raiz)

Foi possível realizar o passe de raiz da junta usando os parâmetros controláveis fixados nos valores: DBCP = 17 mm; Vs = 60 cm/min; e AD: 0°. A solda do passe de raiz da junta mostrou-se condizente com a aplicação da mesma.

 

 

Referências

1) Andrade, S. T.: Mapeamento do processo mecanizado de soldagem unilateral FCAW com backing cerâmico aplicável no passe de raiz em aço carbono. 2007. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/ bitstream/1843/MDAD-7DHGNM/1/ disserta__o_mestrado_silvio_ trivellato_150208.pdf. Acesso em: 30 jan. 2022.

2) Falcão, C. A. de J.: Avaliação da tenacidade à fratura na zona termicamente afetada de soldas múltiplos passes em um aço ARBL. 1997. 104 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia Metalúrgica, Universidade de São Paulo, São Carlos, 1997. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/ disponiveis/18/18136/tde-17012011- 161430/publico/Falcao_CesarAJ_ Dissertacao.pdf. Acesso em: 29 set. 2022.

 3) KOU, S.: Welding Metallurgy. 2nd Ed. ed. [S. l.]: John Wiley & Sons, 2003. E-book. Disponível em: https://doi. org/10.1016/j.theochem.2007.07.017.

4) Marques, P. V.; Modenesi, P. J.; Bracarense, A. Q.: Soldagem: fundamentos e tecnologia. 3. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2009. 363 p.

5) Scotti, A.; Ponomarev, V.: Soldagem MIG/MAG: melhor entendimento, melhor desempenho. 1. ed. São Paulo: Artliber Editora Ltda., 2008. 266 p.

6) Silva, A. L. V. da C.: Segregação em aços alta-resistência baixa liga (ARBL) para aplicações em serviço com H2S: avaliação por termodinâmica computacional*. 2014. Disponível em: http://www.tmm.periodikos.com.br/ article/10.4322/tmm.2014.009/pdf/ tmm-11-1-3.pdf. Acesso em: 30 jan. 2022.


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